domingo, 19 de agosto de 2007

A Visão de Ciência e Religião por Albert Einstein.


2ª PARTE.
Esse é o Deus da providência, que protege, decide, recompensa e pune. Esse é o Deus que, de acordo com a amplitude do horizonte do homem, ama e cuida da humanidade. É aquele que conforta a tristeza e os desejos insatisfeitos; é também o protetor das almas dos mortos. Essa é a idéia social ou moral de Deus. É fácil acompanhar, nas sagradas escrituras do povo judeu, o desenvolvimento da religião do medo e a sua transformação numa religião moral, que prossegue no Novo Testamento.
SENTIMENTO CÓSMICO.
As religiões de todos os povos civilizados, especialmente as orientais, são sobretudo religiões morais. A transformação da religião do medo em religião moral é um avanço importante na vida de um povo. Porém, deve-se evitar o preconceito de considerar as religiões dos povos primitivos apenas como religiões do medo, e as dos povos civilizados apenas como religiões morais. Todas são formas mistas, embora o elemento moral predomine nos níveis mais elaborados de vida social. Comum a todos esses tipos de religião é o caráter antropomórfico da ideia de Deus.
Apenas indivíduos excepcionalmente dotados ou comunidades especialmente desenvolvidas estão acima dessa segunda etapa, onde se encontra um terceiro nível de experiência religiosa, mesmo que raramente numa forma pura. Pode-se chamá-lo de sentido religioso cósmico.
Esse é um conceito difícil de ser colocado de forma clara para aqueles que não o experimentaram, já que não está associado a uma idéia antropomórfica de Deus. O indivíduo percebe a futilidade dos desejos e das ambições e a nobreza e a ordem reveladas na natureza e no mundo do pensamento. Ele sente o destino individual como um cativeiro e busca experimentar a totalidade da existência como uma unidade cheia de significado.
Indicações desse sentido religioso cósmico podem ser encontradas mesmo nos níveis preliminares de desenvolvimento, como, por exemplo, nos Salmos de Davi e nos Profetas. O elemento cósmico é muito mais forte no Budismo, como revelou Schopenhauer, em seus magníficos ensaios.
Os gênios religiosos de todos os tempos se distinguiram por esse sentido religioso cósmico, que não reconhece dogmas nem um Deus parecido com o homem. Por isso não pode haver uma igreja com doutrinas baseadas na visão cósmica. É precisamente entre os hereges de todos os tempos que encontramos homens inspirados nessa experiência religiosa superior. Eles eram vistos pelos olhos de seus contemporâneos como ateus, mas algumas vezes também como santos. Sob esse prisma, homens como Demócrito, São Francisco de Assis e Spinoza estão muito próximos um do outro.
TRABALHO SOLITÁRIO.
Como a experiência religiosa cósmica pode ser comunicada de pessoa a pessoa, sem um conceito definido de Deus ou uma teologia? Parece que a função da arte e da ciência é despertar e manter vivo esse sentimento. Essa interpretação da relação entre ciência e religião difere bastante da visão ordinária.
O estudo da história leva à tendência de considerar religião e ciência antagonistas irreconciliáveis. Para quem está imbuído do sentido da lei da causalidade, que aceita sinceramente a suposição da causalidade, a idéia de um ser superior que interfere nos eventos do mundo é absolutamente inaceitável. Para essa pessoa, um Deus que recompensa e pune é inconcebível, porque o homem age de acordo com uma necessidade interna ou externa; ele seria, aos olhos de Deus, tão pouco responsável quanto um objeto inanimado.
A ciência, por isso, tem sido injustamente acusada de solapar a moral. O comportamento ético do homem é baseado principalmente na simpatia, na educação e nos relacionamentos sociais, e não requer apoio da religião. Na verdade, a condição humana seria triste se o homem precisasse do medo da punição e da esperança de uma recompensa após a morte para se manter no caminho certo.
É, portanto, bastante natural que as igrejas tenham combatido a ciência e perseguido os que a apoiavam. Mas, por outro lado, eu posso afirmar que a experiência religiosa cósmica é a maior e mais nobre força motriz por trás da pesquisa científica.
Ninguém que não aprecie o tremendo esforço propulsivo e, sobretudo, a devoção sem a qual criações pioneiras no pensamento científico não se concretizariam, pode julgar a força do sentimento a partir do qual esse trabalho - desviado como é da vida prática imediata - pode crescer. Que profunda fé na racionalidade da estrutura do mundo, que anseio de compreender mesmo que uma pequena parcela da razão revelada pela natureza não devem ter tido Kepler e Newton, para desvendar os mecanismos celestes num trabalho solitário que durou tantos anos...
Quem conhece apenas a aplicação prática da pesquisa científica pode facilmente chegar a uma interpretação errada do estado de espírito de homens que, cercados por contemporâneos céticos, mostraram o caminho a seus semelhantes. Apenas quem dedicou sua vida a esse fim pode ter uma idéia da inspiração que permitiu a esses homens se manterem leais a seus propósitos, apesar de incontáveis fracassos. E apenas o sentido religioso cósmico pode conferir a eles esse poder.
 

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